Álcool





O álcool é uma droga subestimada, pois nossa cultura vê o mesmo como parte integrante de uma vida "normal".Esta droga está perfeitamente integrada a praticamente todos os ambientes e situações: aparece nos finais de semana e nos momentos de lazer, se mistura com esportes, viagens, com trabalho (os almoços de "negócios", regados a copiosas doses de uísque, cerveja ou caipira)... É parte integrante de virtualmente qualquer ocasião social. Desde o nascimento, aprendemos que "tomar uma cervejinha com os amigos" é um ato social válido. Aprender "a beber" é uma das tarefas da adolescência, um dos marcos que indicam a entrada na vida adulta. Pessoas que não bebem são vistas com certo desconforto e certa desconfiança sobre sua "normalidade". Somos diariamente fustigados pela mídia, com comerciais bem bolados e trabalhados, que tentam nos convencer que tomar a cerveja tal atrai mulheres, boa sorte, felicidade, e que uma dose do conhaque tal resolve todos os cansaços e problemas.

De um modo geral, nossa sociedade ocidental é, como um todo, possuidora de um comportamento abusivo de álcool. Como o abusador de álcool, nossa cultura popular encara o álcool como "afogador de mágoas", um componente fundamental do entretenimento, um remédio popular para muitos incômodos físicos e emocionais, um "digestivo" (quando a ação do álcool sobre o aparelho digestivo dificilmente poderia ser pior!). Mesmo não sendo abusadores ou dependentes, vivemos em uma sociedade "alcoólatra", na real acepção da palavra: "que idolatra o álcool".

Os efeitos do álcool são de um depressor do sistema nervoso central. A intoxicação alcoólica segue 3 fases, segundo o teor de álcool no sangue. Estas fases receberam, no folclore chinês, apelidos populares consistindo de nomes de animais:



MACACO:

Apesar do álcool ser um depressor do SNC, os primeiros sintomas da intoxicação alcoólica são de euforia, alegria, gabolice, fanfarrice e irreverência. Isto ocorre porque o álcool desliga, por assim dizer, primeiramente aqueles controles emocionais que possuímos para evitar comportamentos socialmente inadequados: etiqueta, temor do ridículo, modéstia, respeito por si mesmo e pelos outros, senso de conveniência. O comportamento do intoxicado nesta fase é inconveniente e abusado. Faz brincadeiras que muitas vezes somente ele entende, e ri para si mesmo. Livre dos freios inibitórios usuais, ultrapassa as barreiras da liberdade alheia. Conta a mesma estória várias vezes, repete a mesma frase várias vezes, não se importando se quem o ouve está interessado. Tirando certa "alegria e rubor", muitas vezes ainda não se percebe claramente que a pessoa está sob efeito do álcool. No entanto, antes que os efeitos do álcool se fazem sentir pelas pessoas ao redor, antes mesmo que o alcoolista perceba os efeitos do álcool, a capacidade de reação do indivíduo já está prejudicada, e ele se torna um risco para si e para outros ao dirigir ou operar máquinas e equipamentos.

LEÃO:

O que era "bom humor" agora vira irritabilidade, beligerância, vontade de brigar, ameaças, críticas e sarcasmos. Como o "rei dos animais", há uma tendência do intoxicado a querer submeter todos à sua volta às suas vontades. Nada está bom, nada lhe satisfaz, quer sempre mais. Nesta fase, violência física e sexual são comuns. A fala começa a ficar pastosa, a marcha oscila, algumas palavras não são terminadas, e o pensamento fica prejudicado.

PORCO:

À medida que vai perdendo o pouco de controle sobre seu corpo e seu comportamento que ainda lhe restava, aparecem indiferença, sonolência, descuido pela aparência e higiene pessoal, vômitos. Andar fica muito difícil, e o paciente sofre várias quedas, cujas lesões somente vai perceber quando o efeito do álcool passar. Freqüentemente, ocorrem acidentes até graves: o traumatismo crânio-encefálico é freqüente em alcoolistas. A fala pode se tornar indistinta, ininteligível. À medida que o álcool vai desligando mais e mais do cérebro, aparecem sonolência e torpor. O indivíduo acaba mergulhando em um sono artificial, agitado, entrecortado.

Uma quarta fase, não descrita pelo folclore, mas bastante conhecida dos médicos de pronto-socorro, seria o coma alcoólico, uma ocorrência não rara, e potencialmente fatal.

Durante períodos de intensa ingesta alcoólica, o alcoolista tende a descuidar de sua alimentação, obtendo suas calorias do álcool, que não possui nada de vitaminas, proteínas e sais minerais necessários. Todo alcoolista crônico, mesmo gordo, acaba tendo alguma forma de desnutrição pelo menos parcial. Além disto, outras necessidades físicas (sono, higiene etc.) também são freqüentemente descuidadas, potencializando os danos ao organismo e à mente.



Os efeitos danosos do álcool sobre os principais órgãos e sistemas do organismo são cumulativos, piorando progressivamente enquanto a pessoa está bebendo, e estacionando ao parar de beber, para recomeçar quando quer que seja que o doente recaia.



Uma série de alterações no aparelho digestivo estão relacionadas ao álcool: cáries dentárias e gengivites (por ação direta do álcool e por descuido quanto à higiene bucal); esofagites e varizes esofágicas, que freqüentemente são a causa de morte do alcoolista ao sangrarem (a pessoa vomita sangue); gastrites aguda e crônica, úlceras de estômago e duodeno; problemas pancreáticos, especialmente a pancreatite, inflamação do pâncreas que pode levar ao diabete por ser este o órgão que produz a insulina; hepatite alcoólica (ocorre inflamação do fígado, semelhante à vista nas hepatites por vírus, por lesão tóxica e morte das células do mesmo), esteatose hepática (o fígado aumenta de tamanho, por maior necessidade de uso para metabolisar álcool, ficando outras tarefas metabólicas para um segundo plano, sendo que a matéria-prima destas reações se acumula na célula hepática), e, finalmente, cirrose hepática (o fígado diminui de tamanho por estar desaparecendo, sendo progressivamente substituído por tecido fibrótico que não realiza nenhuma das mais de 200 funções do fígado); problemas de absorção no intestino; maior incidência de hemorróidas.



O álcool tende a provocar aumento do colesterol circulante, e pode estar relacionado com pressão sangüínea alta. Isto traduz um maior risco de doenças circulatórias. Ademais, alguns alcoolistas desenvolvem uma doença do músculo cardíaco, resultado, talvez, de ação tóxica direta do álcool.



O sistema nervoso pode ser permanentemente lesado pelo álcool. Por falta de vitaminas do complexo B, destruídas pelo álcool, além de ação tóxica direta, freqüentemente alcoolistas desenvolvem um quadro de polineuropatia alcoólica, no qual os nervos periféricos estão afetados: geralmente atacando as pernas, a pessoa tem problemas para andar, formigamento, cãibras e insensibilidade cutânea.



As reações de abstinência do alcoolista são potencialmente graves e ameaçadoras à vida. Podem ocorrer convulsões e um quadro grave, conhecido por Delirium tremens, no qual a consciência da pessoa oscila, há muito tremor de extremidades, alucinações (vê bichos, principalmente) e agitação. Cerca de 10% das pessoas que desenvolvem todo o quadro de Delirium tremens morrem.



Depressão, ciúme doentio, ansiedade e confusão fazem parte da evolução natural do alcoolismo.



Ocasionalmente, quando a perda de neurônios é muito grande, se desenvolve a demência alcoólica, antigamente chamada de psicose de Korsakov (por vezes grafada Korsakoff): o alcoolista perde a capacidade de lembrar fatos ocorridos recentemente, mantendo a memória para o que ocorreu 10, 20 anos atrás; há uma confusão mental, com desorientação (não sabe onde está, que período o do dia é, e, às vezes, quem é ou quem são seus familiares) e incoerência do pensamento. Este quadro, infelizmente, é irreversível.



Tomado durante a gestação, mesmo em quantidades moderadas, o álcool pode afetar seriamente a criança por nascer. Um retardo do desenvolvimento físico e mental são mais a regra que a exceção. Uma forma rara mas extremamente severa de dano ao feto provocado por alcoolismo materno é a síndrome alcoólica fetal, ou síndrome do feto alcoolista, no qual a criança nasce já dependente de álcool, entrando em crise de abstinência com poucas horas de vida. Geralmente, há associação com malformações físicas e baixa capacidade mental.



Praticamente todos os alcoolistas crônicos têm um certo grau de anemia, por falta de elementos da alimentação fundamentais para a formação das hemáceas (glóbulos vermelhos) e por dano tóxico direto sobre a medula óssea. O álcool também diminui o número de células brancas de defesa do sangue (todo alcoolista na ativa é um imunodeprimido). As plaquetas, corpúsculos responsáveis pela coagulação do sangue, podem estar diminuídas. Quando há doença hepática, é comum ocorrerem alterações da coagulação sangüínea, pois o fígado produz a maioria das proteínas envolvidas neste processo.



Cerca de 10% a 14% de qualquer população em qualquer país é alcoolista.



O alcoolismo se desenvolve geralmente em um período de anos. Raramente, a doença aparece repentinamente.



Os sintomas iniciais, bastante tênues, incluem a atribuição de excessiva importância ao álcool; existe uma preocupação com que sempre haja álcool disponível. Ao procurar a certeza de que haverá álcool por perto, o alcoolista acaba tomando decisões centradas na droga sobre com quem se associa, aonde vai ou não, o que faz e como faz. A cervejinha "tem que ter" na reunião com os amigos, chegando ao ponto de se "arranjar amigos" como desculpa para a cerveja. O álcool começa a ser usado mais como uma droga com capacidade de "alegrar", "animar", "acalmar" ou "arranjar força" do que como um alimento ou bebida servida como parte de um ritual social. A vida do indivíduo, cada vez mais, começa a girar em torno do álcool.



Pelo metabolismo alterado, o alcoolista em uma fase inicial da doença geralmente demonstra uma tolerância maior e mais rápida ao álcool, consumindo mais e sentindo menos efeitos que outras pessoas. É interessante que, nesta fase da doença, o alcoolista seja invejado por ser "forte para o álcool". Como baixa auto-estima e necessidade contínua de reforço geralmente fazem parte do "pacote" emocional recebido com a tendência, nesta fase ele constrói argumentos que usará, mais tarde, para justificar sua incapacidade de controle sobre a bebida.



No seguimento, no entanto, a tolerância induz a um aumento da dose. A pessoa começa a beber mesmo quando não é adequado beber; mesmo quando há perda ou risco envolvido. O álcool se torna mais importante que relacionamentos pessoais, trabalho, diversão, estudo, reputação ou mesmo que a saúde física e mental. Começa a haver um descontrole da quantidade bebida e da freqüência do beber. Cada vez mais, o alcoolista é incapaz de prever o quanto beberá em uma determinada ocasião, ou, nos cada vez mais raros períodos de abstinência, quando recomeçará a beber.



A dependência física geralmente se instala a seguir, eventualmente levando ao beber todos os dias, manhã, tarde e noite, para evitar os sintomas de abstinência.






Data de criação da primeira página da Associação na Internet: 22/05/98

Data da última atualização desta página: 30/05/00